Minha avó, uma das poucas formas de amar que conheço, adora sentar-se em uma cadeira espaçosa da área de sua casa e ficar batendo a aliança de casamento no braço dessa cadeira. Uma vez ela confessou que o toc toc do som da aliança faz ela lembrar do meu avô. O mais poético da história é que minha avó tem 97 anos e seu marido morreu tem pouco mais de 40 anos. Mesmo assim, todo dia à tarde ela repete o ritual do bater da aliança, com a cabeça inclinada e os olhos baixo.
Um mês atrás, porém, minha avó ficou muito doente e teve que ser internada. Desde então, nunca mais a vi com a aliança na mão esquerda. Acho que pela primeira vez, em uns 70 anos, ela deixou de usar o anel dourado. E pra falar a verdade, percebi que ela quase não frequenta mais a cadeira da área. Não sei porque, mais ainda não tive coragem de perguntar porque ela tirou a aliança.
Só sei que de tanto ouvir o toc toc, passei a relacionar amor com mãos. Acho que se um dia encontrar o amor, eu só vou ter certeza através delas: minhas mãos serão seguradas de uma maneira que todos os dedos se encaixarão, de uma forma que todo o resto do corpo ganhe um ritmo, tipo um toc toc.
Bom, só vim escrever sobre o amor para poder compartilhar um texto do John Lennon, o Apaixone-se. Minha amiga fala que ele escreveu isso antes de conhecer a Yoko, pq está tudo muito racional. Talvez, mas acho o texto lindo:

"Fizeram a gente acreditar que amor mesmo, amor pra valer, só acontece uma vez, geralmente antes dos 30 anos. Não contaram pra nós que amor não é acionado, nem chega com hora marcada. Fizeram a gente acreditar que cada um de nós é a metade de uma laranja, e que a vida só ganha sentido quando encontramos a outra metade. Não contaram que já nascemos inteiros, que ninguém em nossa vida merece carregar nas costas a responsabilidade de completar o que nos falta: a gente cresce através da gente mesmo. Se estivermos em boa companhia, é só mais agradável. Fizeram a gente acreditar numa fórmula chamada dois em um: duas pessoas pensando igual, agindo igual, que era isso que funcionava. Não nos contaram que isso tem nome: anulação. Que só sendo indivíduos com personalidade própria é que poderemos ter uma relação saudável.
Fizeram a gente acreditar que casamento é obrigatório e que desejos fora de hora devem ser reprimidos. Fizeram a gente acreditar que os bonitos e magros são mais amados, que os que transam pouco são caretas, que os que transam muito não são confiáveis, e que sempre haverá um chinelo velho para um pé torto. Só não disseram que existe muito mais cabeça torta do que pé torto. Fizeram a gente acreditar que só há uma fórmula de ser feliz, a mesma para todos, e os que escapam dela estão condenados à marginalidade. Não nos contaram que estas fórmulas dão errado, frustram as pessoas, são alienantes, e que podemos tentar outras alternativas. Ah, também não contaram que ninguém vai contar isso tudo pra gente. Cada um vai ter que descobrir sozinho. E aí, quando você estiver muito apaixonado por você mesmo, vai poder ser muito feliz e se apaixonar por alguém"