quarta-feira, 1 de abril de 2009

De histórias e poesias

Ainda flutuava na grande barriga da minha mãe quando escutei minha primeira “historinha”. Um mundo mágico foi crescendo à minha volta a partir daí e nunca mais parou de crescer... Sou moça “grande”, agora de verdade, com minhas quase vinte primaveras completadas, mas se pudesse minha mãe até hoje me colocaria sentada na cama e me contaria histórias lindas e mágicas, histórias capazes de colorir o mundo real e fazer com que o peso da vida fuja um pouco das costas e vá para floresta de outras maçãs envenenadas.
Nos meus longos banhos na banheira com a minha irmã, além de patinhos de borracha e bonecas da Mônica, participavam os livrinhos de plásticos que nos ensinavam sobre cores, números e formas. Também tinha livrinhos de panos, daqueles para sentir texturas... Tinha livrões imensos do palhaço Pilu...Tinha livrinhos de princesas, que vinham em bauzinhos que tocavam musiquinhas quando eram abertos: aquilo, essa sinestesia entre sentir a música e a literatura em mim, me encantava, me atraía e eu não resistia (mesmo não tendo idéia de como aquilo seria importante para a minha formação humana).
Tinha seis anos e começava a aprender a ler. Aprendi a juntar as letrinhas com a “tia Maísa”, na escolinha mais gostosa do mundo, Criança Feliz. Da Criança Feliz até minha casa, cantava musiquinhas de sapos que não lavam o pé e, intercalando com isso, lia letreiros enormes para a mamãe:
- “Co-ca... Co-la”, “Ca-be..”... Mãe, como que lê essa palavra?
- Cabelereiro, filhota.
Chegava em casa e papai sentava na cama e mandava eu ler várias manchetes de revistas e jornais e ia me corrigindo as palavras erradas. Uma a uma.
Monteiro Lobato sempre foi o meu íntimo na infância. Mas não o lia, o escutava. Todo dia à noite, mamãe contava milhões de aventuras de Emília, Narizinho e Pedrinho. Cada dia Tia Nastácia fazia um quitute melhor e eu morria de vontade de comer. Aliás, até hoje tenho.
Depois de uns anos, quando já alcançava a prateleira da biblioteca - minha e de minha irmã (nós temos nossa biblioteca até hoje, mesmo eu estando em Bauru e ela em Ribeirão Preto...) - buscava livros e me sentia a pessoa mais importante do mundo: achava incrível isso: meus pais sempre lendo e eu lá, lendo que nem eles. Chiquetérrima!
Depois que terminava, ia lá ostentar pro papai – que tava assistindo à Fátima e ao William - de como eu era uma boa leitora e uma boa menina:
- Papai, li esse livro, ó! – e exibia o escolhido da vez.
- Ah é, filha? E o que esse livro conta?..
Fui crescendo e a minha biblioteca também. Vieram os clássicos, os pedidos na escola (inclusive os do meu pai).
Agora, o maior responsável por minhas leituras, fora meus pais, era o meu avô paterno: o maior leitor que eu conheço. De “línguas vivas, mortas e extintas”, como ele costuma classificar. Coisa de linguísta!
Eu já tinha meus dezesseis anos e passeando pela praça com minha mãe pedi de presente para o “dia das crianças” um livro de poesias de Vinícius de Moraes (minha eterna paixão), “O poeta não tem fim”. Diz mamãe na dedicatória que o livro era pra me deixar em “estado de graça”, e assim o foi e é. Uma bíblia para mim.
Depois de Vinícius vieram Pessoa, Drummond (meu conterrâneo), Lispector, Machado e Kundera, meu último autor até esse instante.
“Um país é construído de homens e livros”, disse certa vez meu íntimo nas noites mágicas, Monteiro Lobato. Não sei se é assim que funciona praticamente, apesar de desejar que assim seja. Mas de uma coisa eu sei, porque sinto: que do palhaço Pilu a Kundera foi construída uma alma, minha alma, que é feita de histórias e poesias.

Um comentário:

Ana Helena disse...
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